Inicialmente esta seria uma postagem destinada somente aos alunos matriculados na disciplina FAF 1026 – Prática em Filosofia, que estou lecionando no curso de Licenciatura em Filosofia da UFSM neste segundo semestre de 2019. Quando terminei a lista de notícias e outros links relevantes que vou mostrar aos estudantes amanhã, pensei que talvez ela pudesse interessar a outras nove pessoas, e servir para não deixar este blog tão esquecido quando anda.
Esta é a segunda vez que leciono o curso de Prática em Filosofia. A primeira foi em 2007, quando era professora substituta no meu atual Departamento. Aquela foi a primeira vez que alguém diferente do Prof. Ronai estava assumindo esta disciplina – que se situa no sétimo semestre do nosso atual currículo (ou seja a versão de 2004, em vias de ser modificado). Aliás, para quem quiser se informar sobre a história das reformas curriculares do nosso curso, o Prof. Ronai, que nele lecionou por 44 anos, escreveu um belo exercício de memória, que se pode ler aqui.
Conforme a ementa, os objetivos da disciplina de Prática em Filosofia consistem em “Identificar elementos de natureza filosófica presentes em diversos contextos teóricos e culturais, bem como elaborar e avaliar problemas e respostas filosóficas, contextualizadas no universo de referência da Filosofia.”
(O programa do curso para 2019/2 pode ser acessado aqui.)
A postagem que eu pensava em fazer no Moodle da turma se situa no seguinte contexto: estamos na sétima semana letiva do semestre, trabalhando tópicos de introdução à didática da filosofia por meio da leitura e da discussão de alguns textos (“As funções de um professor”, de B. Russell – na tradução da Prof.a Olga Pombo; “A didática na disciplina de filosofia””, do Prof. Rocha, bem como os capítulos 1, 2, 4 e 7 de Ensino de filosofia e currículo e “Epistemologia da interdisciplinaridade”, da Prof.a Pombo).
Na aula passada, após alguns comentários finais sobre o texto de Russell (em especial quanto ao tópico da neutralidade partidária em sala de aula que nosso ofício exige, para o que sugeri como leitura complementar esse texto), explorei com a turma algumas das principais ideias constantes no artigo do Prof. Ronai:
- o paralelo entre o planejamento e a execução de uma aula de filosofia e a escrita de um roteiro e da montagem de um filme;
- a ideia de que uma boa aula de filosofia é, em realidade “três aulas dentro de uma” (uma focada nos conceitos e problemas relacionados ao mundo vivido; outra focada no instrumental necessário para abordar esses conceitos e problemas e outra direcionadas para o arcabouço histórico ou textual da filosofia);
- bem como as similaridades e diferenças dessa ideia com a metodologia de ensino de filosofia proposta por Sílvio Gallo em seus quatro passos.
Vale destacar que, como tarefa , os estudantes haviam realizado um trabalho dissertativo de reconstrução dos argumentos e comparação entre as abordagens de Russell e Rocha. A leitura desses pequenos exercícios dissertativos me levou a fazer escolhas didáticas específicas para a aula em questão.
Na segunda parte da aula, optei por mostrar a aplicabilidade da sugestão do Prof. Ronai através de exemplos de práticas didáticas nas quais o papel articulador da lógica como instrumento de prática filosófica é fulcral. Também como uma forma de prestar contas da minha ausência na semana anterior, apresentei o trabalho que expus na na Universidade Nacional do Litoral (Santa Fe, Argentina) no dia 04 de setembro. Trata-se de uma versão melhorada da apresentação que fiz em Paderborn, na Libori Summer School – Teaching Women Philosophers, e nas quais se condensam trabalhos em andamento com minha colega e amiga Nastassja Pugliese, professora na Faculdade de Educação da UFRJ.
Em dois tempos: o trabalho consiste em argumentar em favor do ensino de lógica como ferramenta de empoderamento intelectual dos estudantes – tanto individual com coletivamente – na medida em que as propriedades formais da lógica permitem a exploração de temáticas mui variadas, e em especial de interesse dos adolescentes, tais como as relações de gênero e poder, tema feminista por excelência.

A lógica em sentido amplo é o que utilizamos
“cuando razonamos, asimilamos o procesamos la información que recibimos del entorno, cualquier tipo de información.
(Somos lógicos porque somos seres humanos.)”
(Manzano & Huertas 2004)
De outra parte, ao apresentar exemplos concretos em favor de nossa tese, também mostramos como uma certa perspectiva feminista sobre a lógica, apesar de problemática do ponto de vista histórico-metodológico, acaba por fornecer ainda mais água pro moinho da didática mínima da lógica, pois a crítica daquela abordagem nos permite mostrar como aprender lógica (em sentido amplo e um sentido estrito) é um requisito indispensável para que discutamos com mais propriedade as questões relacionadas à reconstrução do cânone filosófico desde perspectivas historicamente desfavorecidas, obnubiladas, silenciadas, como as perspectivas das mulheres ou quaisquer grupos étnicos ou sociais considerados “não-ocidentais”.
O estrito caroço dessa segunda parte da aula consistiu menos na discussão da posição de Nye contra a lógica e mais na apresentação dos detalhes de dois exemplos de práticas didáticas que ocorreram na licenciatura da UFRGS, vivenciadas por três alunas. Estas experiências podem ser conhecidas por meio do texto que Márcia Laux e Rafaela Nunes publicaram no livro Lógica, argumenteción y pensamiento crítico. Alcances, relaciones y aplicaciones. (O texto pode ser baixado aqui), e do Trabalho de Conclusão de Curso de Bruna Dietrich, acessível aqui. São duas experiências de ensino de lógica envolvendo o que Nastassja e eu estamos provisoriamente chamando de “semântica feminista”.

“As três aulas dentro de uma”
Na aula de amanhã nós vamos aprofundar um pouco mais a discussão sobre a transversalidade dos conceitos filosóficos e as potenciais interações da filosofia e seus eixos com as demais disciplinas escolares, com exemplos de práticas realizadas no PIBID Interdisciplinar UFRGS Campus do Vale.
Mas bem, e a tal lista de links?
Ela foi pensada simplesmente como um apanhado de notícias e informações a serem levadas em conta não tanto na aula de amanhã, mas na aula do dia 26 de setembro, quando realizaremos uma oficina sobre planejamento de aulas de filosofia em suas interfaces disciplinares (no contexto do Ensino Médio).
Abaixo, os links que podes servir para a oficina de Prática em Filosofia (e para algum leitor do blog):
Um bom e velho (atual) tema filosófico retomado em texto publicado na Folha de São Paulono dia 11 de agosto ‘Equiparar ciência a opinião atende a interesses e destrói conhecimento‘ (Ah, o Mênon…)
Um texto sobre a importância da ciência para a construção de políticas públicas, no Nexo.
Uma lista de cinco livros indispensáveis para quem se interessa por feminismo hoje no Brasil, recomendados pela filósofa Carla Rodrigues, também no Nexo.
Um exercício de reconstrução da linha filosófica do tempo (histórico) com mulheres, no blog da Oxford University Press.
Uma postagem no Philosophers Coccon sobre novas práticas de ensino de filosofia.
Um texto (meio óbvio?) publicado na The Philosophers Magazine, “Doing Philosophy as Teaching Philosophy”
Outro link para a FSP, desta vez explicando as razões para a comemoração dos cem anos da Tabela Periódica dos Elementos em 2019.
Um texto publicado no site da BBC Brasil sobre a fascinante Fita de Möbius. 
Sobre o choque e o horror (!) quanto tempo passamos em nossos telefones diariamente, no Guardian.
Uma introdução à Africana Philosophy, no History Philosophy Without any Gaps.
Pensar Nagô, (que também e título do livro) de Muniz Sodré.
4 em cada 10 jovens negros não terminaram o ensino médio– Publicado na FSP em 01 de setembro.
Enquanto isso, na Irlanda.
Livro Interações de gênero nas salas de aula da Faculdade de Direito da USP: um currículo oculto?– UNESCO Digital Library.
“Cómo alentar a las niñas a estudiar carreras científicas y matemáticas: 7 estrategias”, no Mujeres con Ciencia (Como seria o mesmo para a Filosofia?)
Uma notícia sobre a impossibilidade de implantar a BNCC devido ao corte de recursos.
Por fim, acabo de receber de um colega antenado no Escola sem Partido, e vale noticiar, que (agora ex-) procuradora geral da República Raquel Dodge formulou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, com pedido de medida cautelar Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, com pedido de medida cautelar contra o troço.
